quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fome de quê?




FOME DE QUE MESMO?
Vanilda Moraes Pintos*

Quem estuda Geologia sabe: o planeta Terra não é mais o mesmo.
Mas isso não é de hoje. A  Terra vem  sofrendo  periodicamente cataclismas que provocam profundas transformações tanto na superfície planetária bem como na profundidade abissal dos oceanos.
Desde que começou seu processo evolutivo, a Terra tem experimentado uma sucessão de combinações na matéria que culminou na formação de uma estrutura planetária biologicamente tão rica e complexa , de proporções tão incalculáveis ao pensamento humano que dificilmente, a despeito do emprego de todos os recursos tecnológicos,  poderíamos apreender o funcionamento desta gigantesca cadeia denominada VIDA.
Os ecossistemas, tão profunda e sabiamente engendrados, perpetuam-se através dos milênios, garantindo a subsistência de toda espécie de vida na terra como na água.
E neste pano de fundo, o ser humano apareceu, produto de um sem fim de combinações genéticas,  oriundo de um elo perdido que não nos permite estabelecer no relógio do tempo o mecanismo exato que o trouxe  até aqui.
Mas aqui chegamos, aqui estamos.
Através dos milênios, o homem vem desafiando a adversidade climática de um planeta a princípio inóspito, criando mecanismos que lhe ofereça  segurança e perpetuação de sua espécie.
E neste peregrinar pelo planeta, buscando suprir suas necessidades primárias, passa o homem ao estágio seguinte.  Não mais nômade, fixa-se.  Trabalha , doma e domina a terra, estabelecendo sua soberania sobre ela.
A partir daí, todo um legado de destruição começa a constituir-se e a contrapor-se ao equilíbrio planetário.
Numa sôfrega busca por conforto material, o homem tem cavado as profundezas dos solos e dos oceanos. Nada o detém.
Escava a terra, retirando dela, aquilo que ele consegue identificar como elemento gerador de energia , o petróleo.Cava túneis, detona minas, explora jazidas.
Não satisfeito vai mais além. Com sondas submarinas, invade o oceano silencioso que não lhe opõe fronteiras.
Nada nem ninguém o detém.
Na ânsia deste processo de captação de recurso alimentar e energético, não olha para trás, não desconfia sequer que deixa um rastro de erosão, de aniquilamento, de destruição.
Madeiras são produzidas a custa de árvores  oriundas de áreas  que apresentam um delicado sistema ecológico, que levou milhares de anos para se formar.
Mas o homem tem pressa. Deseja construir  casas, barcos, materiais, a demanda é enorme,não há tempo para pensar. Pensar em que mesmo?
A população humana cresce vertiginosamente e há que se oferecer moradia e alimento para tantos humanos.
Falamos em alimento? Mas de qual alimento mesmo estamos falando?
Porque falávamos de matas, oceanos,  jazidas. De que alimento estamos mesmo falando?
Alimento oriundo da agricultura? De pomares, hortas?
Alimento retirado da terra? Mas de qual terra?
Ah, daquela terra devastada,  seca, tórrida, agredida e esgotada que nada mais produz.
Mas, olhando à volta, e não é necessário olhar tanto assim, veremos animais ao nosso redor: mesmo que estejam à distância , o homem pode  ir buscá-los.
Domá-los à força bruta, na linguagem do chicote e do arreio, domar o animal pela dor, pela subjugação,  para fazê-lo escravo  submisso,  vencido e violentado,  de cabeça baixa pelo peso da canga ou do relho, mas domado.
Aos outros, aos não domados, restou a faca.
Nenhum animal que ousasse se interpor no caminho do homem faminto a caminho da “ civilização” poderia escapar.
Afinal o homem tinha fome, mas fome de que mesmo?
De que fome estamos falando?  Da fome das entranhas ou da fome  de poder?
Certamente que esta resposta os animais jamais saberão.
Souberam  somente que,  do caminho do pasto para a cozinha só havia um destino: a degola, a panela fervente , a dor.
Outros milhares nem chegaram nas cozinhas, morreram no campo mesmo, o homem tinha pressa e fome de morte.
Mas a população humana continuava crescendo...e crescendo....e  crescendo...
Então, onde buscar mais alimento? O solo não produzia mais ou não rendia de forma tão previsível, afinal , as intempéries  ainda não haviam sido “ domadas”.
Era preciso produzir mais alimento.
Mas de qual alimento mesmo estamos falando?
Certamente daquele alimento corpo, alimento morte, alimento dor.
Então foi preciso aprisionar os animais em espaços cada vez menores para que  coubessem mais  corpos  na mesma área.
Animais em gaiolas, cubículos.
Animais em bretes, em baias.
Animais confinados, sem ver a luz do dia.
E os animais-comida sofriam, dias intermináveis de uma vida miserável, presos  entre arames e barras de metal, atordoados com o barulho infernal da linguagem de seus semelhantes que neuróticos pelo aprisionamento perpétuo, clamavam  por ajuda, num coro inútil e desesperador.
Mas o homem precisava comer.  Precisava mesmo? Comer comida de corpos?
Ele tinha pressa, não podia parar e olhar nos olhos do animal, a dor, o horror, a infelicidade.
Mas o homem estava feliz demais para pensar na dor do animal! Era só um animal!
Por que um animal se importaria em  ser morto? Afinal era só um animal !
Porque ele haveria de se importar em ser privado de espaço e liberdade? Era só um animal.
Mas a história não acaba aí.
O homem continuou.
A civilização precisava crescer. E buscando atender a todos os desejos, manias, preferências, mimos e tolices, o homem precisava  buscar mais e mais elementos para atender suas fantasias.
Mas um dia, o solo calou.
O ar secou.
O pulmão doeu. Os olhos arderam.
O que aconteceu?
Foi buscar solução no espaço. Mandou sondas, foguetes  mas eles não trouxeram respostas.
Parece que havia sido violado  um certo limite.
Mas nada havia sido dito ao homem sobre limites. Onde estavam estas informações? Em qual manual?
Alguns ainda ousaram avisar:  NA CONSCIÊNCIA.
Mas a maioria achou tolice. Zombaram dos que acreditavam nessa tolice chamada consciência.
O homem tinha tanta pressa, precisa povoar o planeta e dominá-lo. Não era o seu destino?
Não tinha feito tudo certinho?
Multiplicação, dominação, exploração? Não cavou o solo, não secou a terra, não dominou céus e mares? Onde estava o erro?
Não subjugou o suficiente? O que ficou faltando?
Onde estava o erro?
Ele queria respirar, ele queria ...
O ar dizia não. O oceano, indiferente à sua agonia, trazia e levava as ondas, num incansável e rítmico vai e vem...
A terra não o escutava, seus ouvidos tinham sido fechados. O homem os tinha fechado.
E agora? Pra onde ir?  Para onde fugir?
E no silêncio da noite,  ao longe, as estrelas piscando, no seu brilho celestial, sorriam irônicas pensando: Ah,  alguns  avisaram... A CONSCIÊNCIA.


*Médica Veterinária
 Coordenadora do Grupo Amigo Bicho & Companhia da Sociedade Vegetariana Brasileira-Rio Grande/RS

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